domingo, 17 de fevereiro de 2008

A obscena senhora D



Compareci com alegria ao espetáculo A Obscena Senhora D, de Hilda Hilst no SESC Consolação, a atriz Susan Damasceno é tocante e perturbadora. Ficamos saudosas de uma escritora e pessoa tão intensa. Vai lá. Não encontrei meu original da senhora D então deixo esse fragmento como um biscoito fino:
“ (..)Ela disse: porque você está amando e isso é traição. Tentei gargalhar. Bateu o telefone. Verdade que havia também uma coisa a favor de Líria: minha depressão. Os contos de Hans Haeckl pertubaram-me imenso. Depois: a beleza irradiante de Líria. Outra coisa: a amabilidade e simpatia do professor Gutemberg. Sim, porque as qualidades de um marido têm muito a ver com o desejo do homem por uma mulher. Assim que nos aproximamos de uma mulher casada, olhamos o marido. Se ele é repelente, o desejo pra mim diminui.Pensamos: essa tem coragem de meter com esse ai? E nasce uma ponta de desprezo. Se o cara é bonitão o desejo aumenta, porquepodemos repetir aquela frase: beleza não põe a mesa. Se sé carrancudo, brocha um pouco. Dá medo de morrer. O cara pode se enfezar a sério. Marido e mãe têm muito a ver com a mulher que desejamos. Bertrand Russell, para citar só um exemplo, começou a ficar enojado de sua mulher quando soube que a sogra vendera a dentadura do falecido. Isso também me pareceu insuportável. E as filhas têm sempre muito a ver com a mãe. Quando li essa confissão de Bertrand Russell fiquei supreso porque os ingleses sõ muito discretos e dificilmente revelam coisas desse tipo. Não me lembro de ninguém que tenha vendido a dentadura de um morto. Ninguém de minhas relações. Sei que George Washinton tinha uma dentadura de madeira. De que cor? Perguntou Líria. Ah, isso não sei. E a verga dele? Querida, esse tema é teu. (...).”
Hilda Hilst, Contos D'Escárnio (textos grostescos), Ed. Siciliano.
Sesc Consolação (16 de janeiro a 29 de fevereiro).

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